A importância do cinema negro no país
Texto: Thaís Melo
De acordo com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) cerca de 56% da população brasileira é negra. Ainda assim, muitos setores da nossa sociedade não refletem essa realidade e são, em sua maioria, ocupados por pessoas brancas. Podemos ver isso na política, na televisão, e também no cinema. Sempre tivemos atores negros no cinema nacional, mas a forma como eles eram representados e o espaço que eles tinham nas produções na maioria das vezes deixava a desejar. Pois o fato de eles estarem em tela não quer dizer que eles ocupavam papéis importantes ou que tinham uma representação positiva.
Os personagens negros geralmente eram encaixados em arquétipos, todos seguindo estereótipos criados por brancos. Por muito tempo na TV e no cinema nacional o negro era o personagem escravizado, por exemplo. Outras vezes também era a empregada doméstica, o porteiro, o bandido… Nunca o protagonista, quando muito conseguia o papel de alívio cômico. Ou seja, os atores negros estavam lá, mas quase sempre representados à margem da história.
Com o passar dos anos isso vem mudando, mas ainda assim falta muito para que pessoas pretas ocupem o espaço que merecem no audiovisual nacional. “Cidade de Deus” (2002), “Ó paí, ó” (2007) e “Medida Provisória” (2020) são exemplos de filmes com uma grande representatividade negra e com protagonistas negros. Porém, mesmo que cada vez mais filmes com tal representatividade sejam produzidos, ainda são poucos perto do número de filmes e outras produções audiovisuais onde falta representatividade.
No cinema hollywoodiano os arquétipos nos quais os personagens negros eram encaixados também estavam presentes, mas já existem diretores que ficaram renomados justamente por fazerem filmes ou séries com representatividade preta de verdade, como Spike Lee, Jordan Peele e Misha Green dentre outros. Mas e no Brasil, quais nomes se destacam? O ator Lázaro Ramos também é cineasta e dirigiu o filme “Medida Provisória”, ele vem sendo um nome atual no cinema negro na frente das câmeras e também nos bastidores. Outro nome é Viviane Ferreira, uma das poucas cineastas negras que temos atualmente.
Cineastas como Adélia Sampaio, que foi a primeira cineasta negra do país e Odilon Lopes que foi o primeiro cineasta negro a dirigir um longa-metragem vem há décadas lutando para terem o seu espaço no cinema nacional e suas vozes ouvidas. Na frente das câmeras nomes que se destacaram e se destacam são Antônio Pitanga, Taís Araújo, Seu Jorge, Zezé Motta, Ruth de Souza, Aílton Graça, Cris Vianna, Sérgio Menezes dentre muitos outros. O que não faltam no Brasil são atores e atrizes talentosos que merecem mais papéis de protagonismo no nosso cinema.
Outro nome que se destaca na luta antirracista no audiovisual brasileiro é o do cineasta e pesquisador Joel Zito Araújo. O mineiro já dirigiu diversas obras que tinham como temática central o negro na sociedade brasileira. Dentre os documentários produzidos por ele destacam-se obras como: “São Paulo abraça Mandela” (1991), “Ondas brancas nas pupilas pretas” (1995), “O efêmero estado União de Jeová” (1999) dentre outros.
Ele também já foi premiado por filmes de ficção como “As filhas do vento” de 2004 que venceu oito prêmios no Festival de Cinema de Gramado. Araújo esteve ainda à frente do documentário “Raça” de 2013 e segue produzindo conteúdo com temáticas que nos levam a refletir sobre raça e racismo até hoje aos 68 anos de idade.
Um cenário que também é importante nessa luta por igualdade racial dentro do audiovisual é o Centro Afro Carioca de Cinema. A história do centro começou devido a outro importante nome do cinema negro no país. O ator Zózimo Bulbul começou sua carreira na época do cinema novo e trabalhou com nomes como Glauber Rocha. Ele foi o primeiro homem negro a protagonizar uma novela no país ao atuar na obra “Vidas em conflito” em 1969. Após atuar em mais de 30 produções ele se viu insatisfeito com o papel que os negros ocupavam no audiovisual e resolveu fazer seus próprios filmes.
Uma dessas obras foi o longa “Abolição” de 1988. Quando na década de 90 essa mesma obra começou a ser reconhecida e premiada em outros países, mas não teve impacto no Brasil o ator, roteirista e cineasta viu que não ia ser o bastante fazer os seus próprios filmes. Foi só anos depois em 2007 que a ideia do que ele poderia fazer a mais para chamar a atenção para o cinema negro começou a ganhar forma enquanto ele participava do Encontro de Cinema Latino-americano de Toulouse que aconteceu na França. Ao ver a estrutura criada lá, ele ficou com vontade de criar algo parecido no Brasil.
Assim que voltou encontrou um espaço na Lapa, bairro famoso do Rio de Janeiro e fundou o Centro Afro Carioca de Cinema. De 2007 a 2012 o centro promoveu “Encontros de cinema Brasil África” onde cineastas brasileiros e também cineastas de diversos países do continente africano puderam se reunir e celebrar suas obras e vivências como pessoas negras no mercado audiovisual. Atualmente o centro realiza oficinas, seminários, palestras, debates e mostras cinematográficas dentre outras iniciativas. Sempre buscando debater, celebrar e enaltecer o cinema negro e inspirar outras pessoas que poderiam ser marginalizadas por boa parte da sociedade a entrarem no mundo do audiovisual.
Muitas vezes até quando o protagonismo é negro nas telas, por trás das câmeras a direção, produção, roteiro e outras partes importantes que compõe um filme foram feitas por pessoas brancas. E é claro que de nada vale a representatividade em tela se ela for estereotipada ou abordar o racismo em tela se for de forma rasa. Precisamos de mais vozes negras na frente e por trás das câmeras.
O papel social feito pelo Centro Afro Carioca de Cinema acaba ajudando para que cada vez mais profissionais dessa área sejam negros e queiram mostrar suas vozes e sua luta em suas obras. Por isso, é fundamental que cada vez mais espaços como esse sejam criados. O cinema não pode apenas não ser racista, ele precisa ser antirracista, e isso precisa se fazer presente não apenas no roteiro, mas na estética, no número de profissionais afro-brasileiros trabalhando nas produções, no número de filmes protagonizados por atores negros dentre outros fatores.