Cinemateca Brasileira

O discurso de Spike Lee, diretor norte-americano, inspirado na fala de Kleber Mendonça Filho  no Festival de Cannes ganhou destaque há algumas semanas ao se referir a alguns presidentes, inclusive o brasileiro, como “gângsters”. Mas o que acendeu esse discurso?

A fala de Kleber Mendonça Filho, diretor de Bacurau, Aquarius e O Som ao Redor, surgiu ao ser questionado sobre como resistir ao sucateamento da cultura. O diretor aproveitou o momento e de forma pertinente citou o caso da Cinemateca Brasileira, fechada há pouco mais de um ano.

Muitos não sabem a importância da Cinemateca Brasileira, instituição localizada em São Paulo, responsável pela preservação da produção audiovisual brasileira. A Cinemateca teve sua origem ainda na década de 1940, quando fundaram o Primeiro Clube de Cinema de São Paulo, que se propunha a estudar o cinema como arte independente por meio de projeções, conferências, debates e publicações. Hoje possui  o maior acervo de “imagem em movimento” da América Latina, e é uma das maiores instituições do gênero do mundo. 

A Cinemateca passou por quatro incêndios em períodos diferentes, devido a autocombustão sofrida pelos filmes em suporte de nitrato de celulose. Hoje, fechada há mais de um ano e sofrendo com a falta de equipe técnica especializada em garantir a manutenção diária dos materiais e o trabalho de preservação comprometido, a deterioração dos rolos de filme pode se tornar mais rápida e irreversível, perdendo-se milhares de títulos.

Através do Instagram, ex-funcionários criaram uma rede chamada SOS Cinemateca Brasileira, que busca dar visibilidade à luta da Instituição e demonstrar a importância da manutenção e preservação dos acervos lá existentes, já que sem trabalhadores não se constroem nem se preservam acervos.

O sucateamento da cultura e de outros setores, como da educação, é preocupante e não é por acaso. Outro exemplo disso é a possível queima do servidor do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), onde ficam armazenados os currículos e trabalhos de professores e pesquisadores de todo o Brasil.

Existe uma ideia que sempre nos ronda, de que o povo brasileiro “tem memória curta”. A verdade é que ao perdermos registros históricos, como o caso da Cinemateca Brasileira, e registros científicos, como o do CNPq, apagam-se memórias, fatos e dados. Sem registros, torna-se mais fácil a construção de novas narrativas baseadas em falácias. A manutenção e preservação da Cinemateca Brasileira é uma forma de nós, brasileiros, envolvidos diretamente ou não com o cinema e a arte mostrarmos a importância da nossa história pra gerações futuras.

Infelizmente a tragédia anunciada ocorreu na última quinta-feira, 29 de julho. Um galpão da unidade da Vila Leopoldina, da Cinemateca Brasileira, pegou fogo. Segundo o Manifesto dos Trabalhadores da Cinemateca, o incêndio causou perda irreparável de inúmeras obras e documentos do cinema brasileiro. Enquanto queima e apagam nossa história, nenhuma palavra foi dita nas redes do presidente e do secretário da cultura.

Questionamos aqui, a quem interessa a perda de nossos registros?

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