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Danny Barbosa e a arte de ser ela mesma

Texto: Thaís Melo

Já fizemos uma matéria contando a origem do mês e do dia do orgulho LGBTQIAPN+, mas quisemos ir mais além do que apenas contar o motivo do dia 28 de junho ser considerado o dia do orgulho para essa comunidade que já lutou e ainda tem que lutar muito pelos seus direitos. Por isso, fomos além e entrevistamos uma artista que está inserida na comunidade para falar das experiências dela e da importância dessa data na visão de alguém que sente na pele como é ser uma pessoa LGBTQIAPN+.

Danny Barbosa é natural de João Pessoa e começou a entrar no mundo artístico aos 6 anos de idade ao frequentar a igreja junto com a sua avó. De acordo com ela ao ver os jovens da igreja tocando e cantando ela teve o seu interesse despertado e passou a querer fazer parte daquilo. Mas foi só uns anos depois que ela passou a fazer peças de teatro na escola e até chegou a estimular a criação de um grupo artístico na instituição tamanho era o seu fascínio.

E quanto mais ela crescia maior era o seu interesse. “Fui para o Ensino Médio com um desejo imenso de me inserir no meio teatral, mas para isso eu precisava ter acesso à formação, precisava conhecer alguém que me indicasse um caminho, um curso e não apareceu ninguém. Isso só aconteceu em 2001, quando o pai de um amigo da antiga escola, professor de uma escola de artes pública me levou até lá e incentivou minha matrícula”, contou a atriz ao relembrar o início de sua trajetória.

Mas não foi apenas o desejo de ter uma carreira artística que ela descobriu enquanto crescia, Danny é uma mulher transexual e no meio do seu processo de desenvolvimento teve que lidar também com as suas descobertas sobre quem ela realmente era. Entrar no mundo audiovisual e se tornar um artista não é uma das tarefas mais fáceis de conseguir, mas quando você é uma mulher trans, negra e nordestina essa tarefa pode ser ainda mais complicada.

Mesmo assim ela não parou por aí, o hobbie de infância virou profissão na vida adulta e ela entrou mesmo de cabeça no mundo das artes, pois não ficou apenas na atuação. Ao ingressar em um curso de formação audiovisual promovido por André da Costa Pinto em 2020 ela se descobriu não apenas atriz, mas também diretora e produtora. E ela foi a primeira mulher trans da Paraíba a ocupar essas funções. Daí em diante ela não parou mais, chegando até a atuar no sucesso nacional “Bacurau” de 2019, onde deu vida a personagem Darlene.

De acordo com ela, participar dessa obra foi transformador e a experiência deixou saudades, embora ela ainda tenha contato com os seus colegas de trabalho. “Bacurau ainda hoje é presente nas nossas vidas; falo da galera do elenco, diretores, equipe… Os grupos de rede social de Bacurau permanecem ativos e nos comunicamos quase que diariamente. Sinto saudades de tudo e todos. Daquele lugar místico e exuberante; das pessoas, de todas as histórias vividas e ouvidas nos meses de gravação”, relembrou.

O sucesso do filme foi tanto que a atriz chegou até a participar do Festival de Cinema de Cannes em 2019. Sobre essa experiência ela disse que teve um significado ainda maior do que o imaginado. “Estar no festival naquele momento e com um filme tão protestante e brasileiro na sua ideia, representação e plasticidade e, por coincidência, no mesmo dia em que muitos brasileiros se movimentavam em defesa da educação que como muitos setores a partir daquele período sofreram desmontes foi importantíssimo principalmente para mim que ali, diante de tantos olhos e idiomas, estava levantando com meu corpo presente a bandeira da educação, da resistência preta, nordestina e trans. E para além de ser a primeira do nordeste, talvez a primeira preta, trans, brasileira a estar ali , ainda voltamos com o filme premiado pelo júri. Quer alegria maior? Só se depois tivesse vindo o Oscar”, contou a atriz.

E levantar a bandeira da educação é algo que ela leva bem a sério, isso porque antes de se encontrar no audiovisual Danny já se dedicava a outra profissão. Formada pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) ela chegou a dar aulas e falou um pouco sobre essa fase da sua vida. “Minha formação superior é em Letras e isso me fez encontrar a sala de aula. Espaço de muitas experiências e vivências. Ensinar sempre me fez entender que o saber se constrói, se multiplica e se compartilha pela vida toda. Sempre aprendi mais com meus alunos do que ensinei. Atualmente estou fora do campo docente por questões de agenda sempre em movimento no setor audiovisual. Sinto muita saudade da sala”, relatou.

Danny Barbosa também falou a respeito de estar conquistando o seu espaço no mercado audiovisual brasileiro representando tudo o que ela representa. Segundo ela as pessoas transexuais por muito tempo tiveram seus corpos explorados e viraram alvo de chacota, inclusive na arte.

Mas pessoas trans são inteligentes, sensíveis, talentosas, capazes e merecem o seu espaço assim como qualquer outra pessoa. “Já estava mais do que na hora de a sociedade, o mercado, o poder público entenderem que quando se trata de pessoas LGBT’s em toda a sua extensão e complexidade de sigla, está se falando, sobretudo, de pessoas. Então não tinha como o audiovisual manter-se alheio às potências criativas e produtivas que existem em um meio tão diverso na sua essência”, comentou a atriz.

Embora por vezes essas pessoas tenham traumas causados principalmente pelo preconceito enraizado na sociedade elas também têm sonhos e merecem a chance de vivê-los. Assim como Danny Barbosa vem vivendo os dela, mas o Brasil segue sendo o país que mais mata pessoas trans pelo 14º ano seguido de acordo com pesquisa da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra). É inaceitável em 2023 ainda termos índices tão altos de violência contra essas pessoas simplesmente por elas serem quem são.

Sobre o dia do orgulho, a artista acredita que todo o dia seja um dia para se orgulhar. “Orgulho eu tenho de estar viva lutando, encontrando outras irmãs e irmãos trans pela rua e ouvindo deles o quanto eles admiram meu trabalho, seja como atriz, roteirista e até mesmo como professora. Orgulho eu tenho de poder olhar pra cada um e dizer: Acredite no seu potencial. Vamos somar forças para que você também crie suas histórias. Quanto à data, essa eu vivo diariamente. É difícil, nesse país, manter-se viva e poder sair às ruas sem sentir medo de não poder voltar pra casa. A data para algumas pessoas, empresas e grupos só é lembrada durante este período, mas o nosso orgulho nós carregamos no dia a dia. Celebrar e evidenciar é importante, tudo que vem pra somar é importante, contudo o que precisamos é de apoio nos outros dias do ano”, explicou a artista.

Em relação às barreiras enfrentadas para ocupar os lugares que ela conseguiu ocupar a atriz disse que não perde tempo admirando esses obstáculos, que vai atrás do que quer e busca realizar os seus sonhos independente das barreiras. Mas de acordo com ela nem todas as pessoas trans tem as mesmas oportunidades que ela teve, já que ela teve acesso à educação e se formou em uma universidade federal, oportunidade essa que muitas pessoas sejam elas parte da comunidade LGBTQIAPN+ ou não acabam não tendo.

Diversas pessoas sejam elas transexuais ou de qualquer uma das outras siglas que compõe a comunidade podem acabar por diversas razões não tendo acesso a esse tipo de ensino, o que dificulta bastante na hora de ultrapassar as barreiras impostas pela sociedade. A atriz questionou também quais medidas são feitas durante os outros meses do ano para ajudar na formação e qualificação profissional dessas pessoas. “Falar que apoia a causa é bom, mas colocar esse apoio em prática é muito melhor. Eu sinto que o que é não é uma barreira para mim talvez seja para outras pessoas trans que não conseguiram ter acesso a uma formação”.

Para mudar essa situação e dar mais oportunidade a essas pessoas é fundamental que se invista em educação, não apenas no mês do orgulho, mas o ano inteiro. Atualmente a atriz está divulgando o seu segundo curta produzido, que também conta com roteiro escrito por ela. Intitulado “Pedra polida” o curta-metragem está sendo apresentado em festivais e ela vem trabalhando na divulgação.

Danny Barbosa também está desenvolvendo um novo projeto de curta e vem focando na parte de pesquisa para essa nova produção. Já como atriz ela disse que em breve vem novidade por aí, embora ela ainda não possa dar mais informações a respeito. Com tanta garra, inteligência e talento com certeza ainda veremos muitos filmes com ela seja atuando, dirigindo, produzindo ou assinando o roteiro.

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