Laércio Ferreira e a luta pelo audiovisual no sertão paraibano

 

FilmInBrasil – O que você tem feito ultimamente, no seu dia-a-dia, no que diz respeito a cultura e principalmente, ao audiovisual?

Ultimamente, devido a falta de incentivo e até mesmo de respeito a classe artística e aos produtores culturais por parte dos governantes, eu tenho tentado conversar, reunir e trocar palavras de incentivos com os amigos que militam comigo há anos, mostrando que é mais que necessário a nossa resistência nesse momento e para isso se faz necessário encontramos uma forma de produzir, mesmo com pouco ou nenhum orçamento, e mantermos os nossos calendários de eventos que são na verdade, o momento certo de trocarmos energias presenciais.

FilmInBrasil – Laercinho, como começou seu interesse por cinema?

Minha história no cinema começa com a primeira edição do Revelando os Brasis em 2004. Os amigos Leonardo Alves, Raimundo Janifran e J. França, fizeram o projeto e na hora de mandar a inscrição, colocaram meu nome. Fomos surpreendido com a seleção e eu tive que ir ao Rio de Janeiro em novembro do mesmo ano e lá tive meu primeiro contato com essa linguagem e com alguns equipamentos. Na volta em janeiro de 2005, gravei meu primeiro documentário “Memória Bendita”. Durante o período de gravação já fui me empolgando em no final já comecei a sonhar com futuras produções. De lá pra cá já são quase 15 anos e algumas histórias contadas em nove filmes roteirizados e dirigidos por mim, além de colaboração em trabalhos de amigos como Diassis Pires e Leonardo Alves.

FilmInBrasil – Quem são as suas principais referências no cinema?

Sempre gostei muito de Charles Cahaplin, mesmo antes de ter alguma ideia de como se fazia filmes, a sua genialidade já me chamava muito a atenção. Tenho Vladimir Carvalho como uma referência no documentário que é um gênero que muito me identifico e costumo ver e ler um pouco dos cineastas brasileiros que ao longo do tempo resistem como verdadeiros guerreiros uma vez que volta e meia o cinema brasileiro sofre fortes perseguições que se materializam de várias formas. Admiro muito o trabalho de Jorge Furtado, Kleber Mendonça Filho, além de uma turma boa que está surgindo no Nordeste, principalmente na PB e em PE.

FilmInBrasil – Como você vê o cinema feito por você, qual sua importância para sua região?

Tento fazer um cinema com a cara da minha região, do meu povo. Gosto de falar das nossas tradições, dos nossos costumes e de alguma forma, dá voz aos que passam meio ou totalmente no anonimato. Acho que a principal importância se dá por termos abertos trilhas, termos provado que é possível fazer cinema no Sertão da PB, termos mostrado para o mundo lugares e pessoas do Sertão que são realmente “coisa de cinema”, além de termos feitos parcerias importantes que vão além do fazer artístico.

FilmInBrasil – Qual é para você a importância da interiorização das ações culturais, das políticas culturais no Brasil?

Acho de suma importância a interiorização das ações culturais Brasil afora. Somos um país enorme e com uma riqueza cultural invejável. Existe um povo rico em talentos artísticos, em histórias reais e imaginárias que ainda é bastante desconhecido dos brasileiros. Esse “Brasil Real” descrito por Ariano Suassuna, é carente de políticas culturais, sociais e humanas.

FilmInBrasil – Como é estar a frente de uma entidade que completa esse ano 30 anos de história? Qual sua responsabilidade diante dessa realidade e quais são os seus sonhos ainda?

A Acauã Produções Culturais é a minha segunda família, a ela tenho dedicado grande parte do meu tempo e dos meus sonhos nesses quase 30 anos. Me sinto feliz, e em parte, muito realizado por ter juntado tanta gente bacana ao longo de três décadas pra fazer arte, discutir culturas, apostar nos sonhos e buscar transformar realidades, muitas vezes nadando contra a corrente, mas sempre nadando. Acredito que a minha responsabilidade hoje é tentar passar para as novas gerações, inclusive meus filhos, um pouco dessa história de lutas e de muitas conquistas. É contar pra eles por exemplo, como foi criar uma das primeiras rádios comunitárias no Sertão, como foi lutar pela emancipação política de Aparecida, como foi ver nascer o Centro Cultural Banco do Nordeste de Sousa e como tem sido a luta constante pela preservação do Patrimônio Histórico da Fazenda Acauã, nosso maior tesouro e talvez a nossa maior razão de existir enquanto entidade. Tenho ainda uma infinidade de sonhos. Não saberia viver sem sonhar, sem me aquietar com o obvio. Sonho em ver o Museu Armorial dos Sertões implantado e aberto ao público na Acauã, sonho com o fortalecimento do nosso núcleo de cinema, com a volta do nosso Festival de Poesia e com a possiblidade de produzirmos arte com dignidade, com recursos financeiros e humanos e o reconhecimento do nosso povo.

FilmInBrasil – No seu entender, a classe artística no Brasil precisa ser mais unida? Qual a importância disso para o crescimento da atividade como um todo?

A desunião dos fazedores de arte no país é gritante. Percebemos isso tanto nos grandes grupos que dominam a mídia, como nos alternativos. Não tenho a menor dúvida de que se uníssemos mais as nossas forças, se valorizássemos mais os nossos artistas, os nossos trabalhos, conseguiríamos muito mais espaços, seríamos muito mais fortes e forçaríamos os governantes a olhar a cultura com outros olhos.

FilmInBrasil – Muitos produtores tem decidido ir filmar no sertão. Porque isso acontece, ao seu ver?

O Sertão é literalmente “coisa de cinema”! Temos cenários naturais belíssimos, um sol que nos proporciona uma luz magnifica e um povo de uma hospitalidade ímpar. Tudo isso, sem falar nos talentos que estão por todos os lados, seja atuando ou encontrando soluções caseiras para as questões técnicas. O Sertão tem muito ainda a ser descoberto, tem muito ainda a dar a arte brasileira.

FilmInBrasil – Com o quase desaparecimento dos editais de cinema à nível federal, produtores pelo Brasil afora estão indo atrás dos editais nas esferas estaduais e municipais, mas isso não acontece na Paraíba, com exceção da capital João Pessoa. Qual sua visão sobre isso, e como produzir cinema nessas condições?

É muito triste e revoltante viver essa realidade da PB. Além de não podermos mais contar com os editais do governo federal que a única coisa que tem feito é perseguir e marginalizar a classe artística brasileira, ainda não podemos contar com editais estaduais, aja visto que o último edital do Fundo de Incentivo à Cultura “Augusto dos Anjos”, que era a única política pública de cultura no Estado, foi lançado em 2015. Se tratando de política municipal, somente a cidade de Cajazeiras tem um pequeno edital de incentivo, todas as demais cidades se negam a discutir esse assunto. Fica difícil demais fazer cinema, música, teatro, poesia e qualquer outro tipo de arte nessas condições. É preciso muita coragem, determinação e resistência pra não desistir e manter vivo o sonho de fazer arte na Paraíba atual.

FilmInBrasil – Quais são seus próximos projetos audiovisuais?

Esse ano eu quero fazer um encontro que marque a comemoração dos 30 anos da Acauã Produções Culturais, ainda estamos pensando como será, mas até dezembro haveremos de realizar. Quero também fazer um grande edição da nossa Mostra Acauã do Audiovisual, que esse ano completa 10 anos de existência. Além disso que circular com a exibição do filme Príapos que eu tive o prazer de realizar em parceria com o meu amigo/irmão Marcelo Paes de Carvalho e tenho um projeto para fazer mais uma animação em uma parceria muito especial com a minha filha Maria Tereza.

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