Texto: Jéssica Lucy / Foto: Divulgação
A atriz paraibana Marcélia Cartaxo, uma das grandes potências do cinema brasileiro, volta às telas com o longa “Lispectorante”, da diretora Renata Pinheiro. O filme propõe um mergulho livre e sensorial no universo de Clarice Lispector, sem adaptar diretamente uma de suas obras, mas criando uma atmosfera profundamente inspirada por sua escrita, seus silêncios e seus abismos.
A protagonista, Glória Hartman (vivida com força e delicadeza por Marcélia), é uma artista madura em crise existencial, criativa e financeira. A história se desenrola a partir do momento em que ela entra nas ruínas da antiga casa de Clarice, no bairro da Boa Vista, no Recife. O lugar, tomado pelo tempo e pelo abandono, torna-se um portal imaginativo, onde Glória reencontra não apenas o ofício da arte, mas o desejo de existir.
Assim como o prédio, Glória também foi deixada para trás. Mas ao escutar o chamado da fantasia que habita aquelas paredes, ela redescobre em si a sede de viver outras vidas, de contar outras histórias. Onde quer que sua imaginação a leve.
“São várias as referências. Acho que o filme envereda mais em um universo lispectoriano, contido em personagens, em situações imaginárias, em uma geografia da Boa Vista, o bairro judeu do Recife”, explica a diretora Renata Pinheiro ao portal Sul21, que constrói uma obra delicada, entre o real e o sonho.
Embora não adaptado de forma direta, “Lispectorante” dialoga com contos como “Restos de Carnaval” e “A Paixão Segundo G.H.”, além de outras camadas da escrita de Clarice, sempre marcada por uma introspecção poderosa, quase metafísica. Essa mesma energia reverbera na atuação de Marcélia, que habita a tela com a mesma entrega de sempre: silenciosa, densa, poética.
A estreia de “Lispectorante” ressoa ainda mais forte ao lembrarmos que Marcélia Cartaxo foi uma das homenageadas da primeira edição do Festival Tela Cariri, realizada em março de 2025. Um momento histórico, que marcou o nascimento do primeiro festival de cinema da região do Cariri.
Sua presença não apenas celebrou sua trajetória como atriz que abriu caminhos para o cinema nordestino e brasileiro, mas também reforçou o papel do festival como espaço de resistência, valorização cultural e formação de novos olhares.

Foto: Daniel Correia
Entre oficinas, exibições e encontros potentes promovidos durante o festival, a presença de Marcélia Cartaxo nos lembra por que fazemos cinema: para transformar ruínas em sonhos, como Glória faz em “Lispectorante”; para olhar nossos territórios com outros olhos; para descobrir mundos dentro de nós mesmos.